A Rússia anunciou recentemente o desenvolvimento de uma vacina contra o câncer, com previsão de distribuição gratuita a partir de 2025. A princípio, soa como um avanço incrível. Mas, como diz o ditado, “a coisa é russa”. E não sem motivo: até agora, não há uma única publicação científica revisada por pares que sustentam as discussões. E, convenhamos, sem dados concretos, acreditar cegamente em um anúncio vindo de um governo conhecido pelas posturas radicais de Vladimir Putin é, no mínimo, ousado.
Essa história também nos leva a um ponto interessante: o fascínio que muitos têm por tudo que vem “de fora”. Parece que, se uma notícia é estrangeira, especialmente de um país que busca constantemente provar sua grandeza ao mundo, deve ser automaticamente digna de aplausos. Talvez esteja na hora de lembrar que, no Brasil, o Instituto Butantan produz várias vacinas essenciais – contra Raiva, HPV, Hepatites A e B, Influenza Trivalente, H1N1 e DTPa – como também é responsável por 100% das vacinas contra a gripe usadas no SUS, o que equivale a impressionantes 80 milhões de doses por ano. E tudo isso com transparência e dados extremamente acessíveis.
Voltando ao caso russo, a falta de dados não é um detalhe, é um problema gigante. Não sabemos quais tipos de câncer a vacina pretende combater, quais antígenos foram usados ou testados, e onde estão os resultados dos ensaios clínicos? Não há informações sobre fases de testes, eficácia ou segurança. E, sem isso, como levar a sério um anúncio desse porte?
Além disso, a ideia de uma “vacina universal contra o câncer” é, para dizer o mínimo, fantasiosa. Existem milhares de tipos de câncer, cada um com características próprias. A promessa de um imunizante que resolva tudo parece mais propaganda política do que ciência de verdade. Não é de se admirar que muitos cientistas estejam questionando: onde estão os dados?
E não podemos ignorar a ironia da situação: embora o governo russo faça anúncios sem transparência, já existem vacinas eficazes contra certos tipos de câncer, como o HPV, amplamente disponíveis no Brasil pelo SUS. Para quem não sabe, essa vacina previne infecções que podem levar a vários tipos de câncer, como o colo do útero, pênis e garganta. Além disso, há avanços concretos na área de mRNA, como uma vacina contra melanoma desenvolvida por grandes laboratórios internacionais, que segue os rigorosos protocolos de publicação e revisão científica.
No fim das contas, a ciência de verdade exige dados, revisão por pares e transparência – e não anúncios pomposos sem base confiável. Sem essas etapas, o que resta é ceticismo.
Portanto, antes de celebrarmos essa “nova vacina”, talvez seja mais sensato lembrar que, no mundo da pesquisa, o que conta não é a origem da notícia, mas sim a qualidade do trabalho que a sustenta.
Meu ceticismo com relação a esta 'vacina milagrosa' é frio igual a um bailarino russo dançando balé depois de umas vodkas em Moscou!