Uma ponte "alienígena" na Lua? Sim! É isso mesmo que você leu, mas, expliquemos melhor toda essa confusão. 

Na manhã de 29 de julho de 1953, John J. O’Neill, editor de ciências do New York Herald Tribune apontou seu telescópio, um refrator de 102 mm de abertura, para a Lua, e pôs-se a estudar a região de Mare Crisium. Mare Crisium é uma estrutura circular com 556 km de diâmetro, de piso plano circundado por elevações de promontórios e montes conforme mostra esta foto tirada aqui no Observatório. 

Na extremidade oeste (na extremidade esquerda da borda do círculo da foto), entre o Promontorium Lavinium e Promontorium Olivium há uma formação que, naquela manhã do dia 29 chamou a atenção de O’Neill. O baixo ângulo de incidência dos raios do Sol na ocasião destacou os cumes mais elevados, enquanto as estruturas mais baixas mergulhavam na sombra escura. O que despertou a atenção de O’Neill foi uma pequena passagem de luz, evidenciando-se entre a escuridão predominante. Este feixe de luz surgia entre as extremidades dos dois promontórios citados. Atento aos detalhes, O’Neill aumentou a ampliação de 90 vezes para 125 chegando até 250 vezes de aumento para detalhar melhor o que observava. Assim, julgou observar uma ponte natural em forma de arco, de proporções gigantescas, indo de uma extremidade à outra dos promontórios. Na descrição de O’Neill a ponte tinha uma extensão de 19 km, algo que sobrepunha e muito as pontes naturais encontradas aqui na Terra. A polêmica surge justamente porque estas pontes naturais aqui no nosso planeta são oriundas de processos de erosão causados pela água, ciclo este que não existe na Lua. Após John O’Neill estar convencido da sua descoberta, comunicou outros observadores que confirmaram a identificação. 

 

Figura 1: Localização da suposta “Ponte  O’Neill” na Lua.

Fotos e adaptação: Observatório de Astronomia de Patos de Minas

Em todas as fotos e imagens desta coluna, o Norte está para cima, facilitando a comparação entre as estruturas.

 

Cria-se um mito 

Dentre os qualificados observadores que confirmaram as observações, estava Hugh Percy Wilkins. O então diretor da Seção Lunar da BAA (British Astronomical Association), com um telescópio newtoniano de 381 mm de abertura, relatou que além do arco com a luz do Sol cruzando por baixo, vira a sombra projetada pela ponte sobre a superfície ao redor. 

Num programa de rádio da BBC em 23 de dezembro de 1953, a atenção dos ouvintes foi aguçada após Wilkins relatar tratar-se de uma ponte verdadeira e, além das dimensões observadas, afirmou que não havia erro, já que fora confirmado por outros observadores. Wilkins ainda atribuiu à observação a semelhança com algo que “parecia ser artificial”. Ao ser especulado sobre o significado do termo, ele respondeu: “Bem, parece quase como um trabalho de engenharia”. Desta forma a notícia correu toda a América, ascendendo a revolta dos colegas no âmbito da astronomia. Wilkins declarou que a mídia havia distorcido sua fala, mas logo a história da “ponte de O’Neill”, como é conhecida, despertou a atenção de ufólogos e conspiracionistas do mundo todo. Esta má repercussão sobre a suposta ponte danificou a imagem de Wilkins junto aos astrônomos profissionais, e até mesmo frente à British Astronomical Association, da qual foi forçado a renunciar.

 

Figura 2: à esquerda desenho de H. P. Wilkins, em 27 de agosto de 1953, apresentando a ponte sinalizada pela seta. À direita, uma imagem da sonda LRO (Lunar Reconnaissance Orbiter) lançada em 2009, definindo melhor a região e deixando claro a inexistência de “ponte” no local.

Adaptado pelo autor. Créditos: NASA, Goddard / Arizona State University, H. P Wilkins e Leo Aerts.

 

O mito ganha dimensão! 

No livro “The Flying Saucer Conspiracy” de 1955, o autor, Major Donald E. Keyhoe fomentou a ilusão em torno da ponte descrevendo que a “enorme estrutura apareceu nitidamente contornada, uma maravilha da engenharia, erguida aparentemente em algumas semanas, senão em dias”. Nesta versão descrita por Donald Keyhoe, foi colocado que havia muito mais e, “nem mesmo O’Neill ousou contar a história toda”. Donald Keyhoe acrescentou que no relatório para a Association of Lunar and Planetary Observers, O’Neill designou a estrutura como uma “gigantesca ponte natural”, além de ter admitido reservadamente para alguns que “por um ato da natureza, era absolutamente impossível o aparecimento súbito de uma estrutura deste porte”. O romance de ficção científica “A Fall of Moondust” de 1961, do autor Arthur C. Clarke, acabou por difundir a fama “alienígena” e artificial da ponte. 

 

Mas afinal, o que O’Neill realmente viu?

Os fenômenos de sombra e luz relacionados com os ângulos de iluminação da Lua caracterizam mudanças dramáticas em sua superfície. Uma das premissas para se observar a “ponte” era de que a linha do terminador (linha que divide a região iluminada da região em sombra) tivesse que estar próxima dos Promontorium Lavinium e Olivium, contando também com a influência da libração da Lua (oscilação semelhante a um balanceio). A superfície iluminada associada às áreas em sombra, caracterizadas pelo específico ângulo de iluminação e uma cratera existente no centro do local, fazia parecer como uma superfície arqueada, remetendo aos contornos de uma ponte. Portanto, no final a ponte O’Neill, como ficou alcunhada, acabou por ser um caso de ilusão de ótica, um jogo de luz e sombra sobre superfícies, remetendo à estruturas semelhantes vistas aqui na Terra. Com o legado das missões Apollo, imagens mais detalhadas do local foram surgindo, além de tecnologias mais recentes, como a já citada sonda LRO (Lunar Reconnaissance Orbiter) possibilitar imagens mais definidas e um estudo topográfico mais detalhado. O local onde ocorreu todo este equívoco é mais bem visualizado dois dias após a fase Cheia da Lua, sendo necessário o uso de telescópio para sua observação.