A Justiça de Minas Gerais suspendeu na tarde dessa quinta-feira (08) a terceirização da gestão do Hospital Regional Antônio Dias de Patos de Minas. O juiz destacou a orientação do Conselho Estadual de Saúde não autorizando a terceirização e também o momento crítico da pandemia em que vivemos. A vitória foi bastante comemorada.
O Governo do Estado de Minas Gerais através da FHEMIG havia publicado um edital para contratar uma Organização Social-OS- para administrar o Hospital Regional Antônio Dias. A proposta em meio à pandemia foi bastante criticada por diversos setores. Os servidores da maior unidade hospitalar, referência para 33 municípios da região, fizeram manifestações em via pública. O Conselho Estadual de Saúde já havia se manifestado contrário à medida e o Deputado Estadual Hely Tarquínio chegou a encaminhar um requerimento com pedido de urgência para a Assembleia Legislativa suspender o edital.
Diante de todas questões levantadas, no dia 29 de março, o Ministério Público de Minas Gerais, através da promotora de Justiça de Belo Horizonte, Josely Ramos Pontes, e pelo 1º promotor de justiça de Patos de Minas, Rodrigo Domingos Taufick, ingressou com a ação na Justiça da capital do estado e conseguiu a medida liminar para suspender o edital. A FHEMIG tem prazo de 30 dias para contestar a decisão.
Veja a decisão na íntegra!
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais propôs a presente ação civil pública de ressarcimento ao erário em face de Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG e Estado de Minas Gerais, objetivando a suspensão do Edital n. 01/2021.
Informou que instaurou Inquérito Civil MPMG 0024.21.002601-9 para apuração do edital de Chamamento Público que pretende a transferência de gestão do Hospital Regional Antônio Dias – HRAD, em Patos de Minas/MG, integrante da rede FHEMIG para uma Organização Social.
Sustentou, contudo, que a macrorregião Noroeste, na qual está localizado o hospital, está em momento crítico da pandemia decorrente do COVID-19, de modo que a transferência neste momento se mostra inadequada.
Fundamentou, também, que o Conselho Estadual de Saúde não aprovou a transferência de gestão pretendida, não havendo apresentação de um plano de economicidade pelo Estado de Minas Gerais que demonstrem a necessidade prática da transferência de gestão.
Alegou, por fim, que o edital apresenta postos que não foram devidamente detalhados.
Em síntese, era o que se importava a relatar.
Tudo bem visto e examinado, passo a decidir.
Trata-se de ação civil pública por meio da qual o Ministério Público do Estado de Minas Gerais visa a suspensão do Edital n. 01/2021.
O artigo 300 do CPC/2015 dispõe que a tutela de urgência, seja esta cautelar ou antecipada, será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Ressalte-se que, nos casos em que a tutela for destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo, consoante determina o art. 497, parágrafo único, do CPC/2015.
Existem diferenças entre tutela provisória cautelar e a antecipatória de mérito, senão vejamos:
“Em linhas gerais, quando é indicada a necessidade de tutela provisória cautelar, almeja-se proteger a causa de pedir e o pedido narrado no processo de conhecimento (exposição do mérito) ou no processo de execução/cumprimento de sentença. Isto significa dizer que a tutela provisória cautelar emergencial protege o processo e a sua própria efetivação e nunca realiza o direito material discutido. Já a tutela provisória antecipatória de mérito, em caso de deferimento, realiza o direito material, ou seja, alcança o bem jurídico protegido. (in BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique; MARQUES, Suzana Oliveira Brêtas; DIAS, Renato José Barbosa; Mól, Yvonne Brêtas. Estudo sistemático do NCPC. 2ª ed. Belo Horizonte: D' Placido, 2016, p. 77.”
Em se tratando de tutela de urgência de natureza antecipada, sua concessão não será permitida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, nos moldes do §3º do art. 300 do referido diploma legal. Tal impedimento não se aplica às tutelas provisórias de natureza cautelar, tendo em vista que elas não tem por objetivo realizar o direito material, mas sim protegê-lo.
A tutela que se antecipa em seus efeitos pela decisão do juízo só poderá ser legitimamente reconhecida a favor do autor se ocorrentes na estruturação procedimental os aspectos de probabilidade do direito, com base nas alegações produzidas. As tutelas de urgência são medidas que só devem ser deferidas em situações excepcionais, por atenderem à pretensão de direito material antes do momento normal, baseada na prova trazida exclusivamente pelo do Autor com a petição inicial. Cite-se novamente o entendimento de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Carlos Henrique Soares, Suzana Oliveira Marques Brêtas, Renato José Barbosa Dias, Yvonne Mól Brêtas Estudo sistemático do NCPC. 2ª ed. Belo Horizonte: D' Placido, 2016, p. 88:
“As tutelas de urgência são sempre medidas extremas. No entanto, após o aprofundamento da discussão, com o indispensável e efetivo contraditório (NCPC art. 7º.), muitas questões fáticas, as quais pareciam claras e certas, podem revelar-se envoltas pela fraude, pela simulação, pela obscuridade, ou inexatas, imprecisas, truncadas ou duvidosas.”
A probabilidade do direito passa pela análise da prova. A existência de prova inequívoca é fundamento legal e antecedente lógico-jurídico da probabilidade do direito, uma vez que, inexistente prova inequívoca, estaria impossibilitado o convencimento pela probabilidade do direito. A inequivocidade, por sua vez, não seriam meras impressões de certeza sobre a prova exibida, mas demonstração, em decisão do juízo, de univocidade dos aspectos que compõem a base empírica do instituto legal da prova.
O periculum in mora caracteriza-se com a urgência no provimento jurisdicional. O receio de dano deve ocorrer de fato objetivamente demonstrado no procedimento. O receio de dano decorre do elemento de prova, já integrante da estrutura procedimental, apto a convencer o julgador, não sendo mero temor alegado pela parte. Não pode haver, ainda, perigo da irreversibilidade da tutela pleiteada.
Por outro lado, as provas devem incidir para a demonstração da existência de fatos alegados pelas partes, não podendo o a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo decorrerem de suposições do julgador. Com efeito, iria contra os princípios do contraditório, da ação e da congruência entre o pedido e a decisão, se o julgador pudesse basear seu convencimento em fatos sequer alegados pelas partes.
No caso em tela, observa-se que o Governo do Estado de Minas Gerais, por meio da FHEMIG, publicou o edital n. 01/2021 visando a celebração de contrato de gestão para prestação de serviços técnicos de gerenciamento, operacionalização e execução das ações e serviços de saúde, incluindo equipamentos, estrutura, maquinário, insumos e outras atividades e intervenções necessárias ao pleno funcionamento, no Hospital Regional Antônio Dias – HRAD. (Id. 2937446590)
A partir disso, seria transferida a atual gestão, realizada pela FHEMIG, a uma Organização Social – OS. Desse modo, verifica-se que transferência de gestão, por meio de edital n. 01/2021, busca a maior eficiência a menores custos para o Hospital Regional Antônio Dias – HRAD.
Nesse sentido, evidencia-se que a FHEMIG emitiu Nota Técnica n. 1/FHEMIG/ASPAR/2021, afirmando que:
“Dessa forma, levando em consideração a economia apurada após confrontar o limite orçamentário e a projeção de custos do HRAD para 24 meses e, também, a economia decorrente da seleção de uma entidade sem fins lucrativos detentora do CEBAS, apurou-se que a implementação do novo modelo de gestão pode gerar uma economia de até R$ 5.421.206,92 em dois anos.” (Id. 2939051395)
Contudo, observa-se que conforme Resolução CES/MG n. 64/2019, do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais, anteriormente já havia sido não recomendado a transferência de gestão do hospital da FHEMIG para Organização Social – OS, de modo que na época foram suspensos os estudos de viabilidade. (Id. 2937446591)
Cumpre destacar que é fato notório que o país vivencia uma pandemia, decorrente do COVID-19, na qual a falta de leitos e profissionais tem sido uma grande preocupação dos entes públicos. Nesse sentido, conforme destacado no “Painel Coronavírus” da prefeitura de Patos de Minas/MG, observa-se que no dia 08.04.2021, a cidade tem ocupado 80,09% dos leitos clínicos e 72,63% dos leitos de UTI. [1]A partir disso, destaca-se que o Governo criou a denominada “Onda Roxa”, termo que caracteriza que em razão de vivenciar momento crítico da pandemia são necessárias medidas mais restritivas de restrição e circulação.[2]
Nesse contexto, destaca-se também que o Estado de Minas Gerais ficou integralmente em fase mais restritiva do dia 17 ao dia 31 de Março, e que a região em que se localiza o hospital objeto do presente feito permanece nessa condição.[3]
Desse modo, evidencia-se que a alteração de uma gestão, ainda que busque maior eficiência a longo prazo, mostra-se temerária diante do momento de crise na área da saúde vivenciada por todo o país. Destaca-se, ainda, que o processo de transição exige uma maior esforço e adaptação que, diante do cenário de lotação dos hospitais e falta de profissionais, mostra-se inadequado. Por isso, ainda que sejam geradas eventuais economias a longo prazo, verifica-se que os prejuízos na área da saúde, que podem decorrer da alteração de gestão pretendida, mostram-se suficientes para caracterizar o fumus boni iuris e periculum in mora da medida pleiteada.
Ressalte-se, ainda, que eventuais benefícios orçamentários obscuridades do edital deverão ser apurados na instrução probatória do feito, razão pela qual, neste momento processual, não é possível aferir as reais condições.
Ante o exposto,
Por toda a fundamentação acima, DEFIRO o pedido liminar, para determinar a suspensão do Edital n. 01/2021, o qual objetiva a celebração de contrato de gestão para prestação de serviços técnicos de gerenciamento, operacionalização e execução das ações e serviços de saúde, incluindo equipamentos, estrutura, maquinário, insumos e outras atividades e intervenções necessárias ao pleno funcionamento, no Hospital Regional Antônio Dias – HRAD
Deixo de designar a audiência de conciliação nos termos do art. 334 do CPC/2015, com fulcro no princípio da duração razoável do processo, assim como os da economia processual e celeridade, porquanto é cediço que a Fazenda Pública Estadual, não celebra acordos nos feitos em tramitação nos Juízos Fazendários, sob alegação de ausência de autorização legal.
Por consequência, cite-se a parte ré, pela forma cabível, para contestar no de 30 (trinta) dias (CPC/2015, art. 335 c/c 183), sob as penas da lei, devendo apresentar as provas que pretende produzir, de forma justificada (CPC/2015, art. 336) – indicando qual fato pretende demonstrar com a prova a ser requerida –, sob pena de indeferimento e preclusão. Ressalte-se que caberá à parte requerida, na primeira oportunidade de se manifestar nos autos, informar a este Juízo a existência de eventual litispendência ou coisa julgada, assim como conexão ou continência, ou mesmo outro tipo de prevenção.
Ultrapassado o prazo para contestação, contestado o feito ou não, dê-se vista à parte autora para impugná-la, no prazo de 15 (quinze) dias (CPC/2015, art. 350 e 351), devendo apresentar as provas que pretende produzir, de forma justificada – indicando qual fato pretende demonstrar com a prova a ser requerida –, sob pena de indeferimento e preclusão.
Para frisar, desde já ficam as partes advertidas que as provas deverão ser especificadas fundamentadamente na fase de apresentação de contestação (parte ré) ou impugnação (parte autora), sob pena de preclusão.
Em seguida, remetam-se os autos conclusos para saneamento do feito, oportunidade em que será feita a apreciação de eventuais pedidos de produção de prova.
Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.
Belo Horizonte, 8 de abril de 2021.
Paulo de Tarso Tamburini Souza
Juiz de Direito
2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias
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