O Dia da Consciência Negra, celebrado hoje, 20 de novembro,
no Brasil, é mais do que uma data no calendário. Trata-se de um momento crucial
para reflexão e conscientização acerca da história, cultura e contribuições
fundamentais da população afrodescendente na construção da identidade nacional.
Este dia não apenas homenageia figuras emblemáticas como Zumbi dos Palmares,
mas também destaca a importância de enfrentar e combater o racismo estrutural,
promovendo a igualdade, o respeito e a valorização da diversidade étnica em
nossa sociedade. O Dia da Consciência Negra é uma oportunidade para aprender,
reconhecer e celebrar a riqueza da herança afro-brasileira, incentivando um
diálogo contínuo sobre a superação de desafios e a construção de um futuro mais
inclusivo e equitativo.
A discriminação racial no ambiente de trabalho é um desafio
persistente, que demanda uma análise cuidadosa e ação proativa. Em meio à busca
por ambientes profissionais mais inclusivos, a discriminação racial emerge como
um obstáculo significativo, comprometendo não apenas a equidade de
oportunidades, mas também o bem-estar emocional e psicológico das pessoas
afetadas. Esse fenômeno transcende barreiras, afetando negativamente a ascensão
profissional e a qualidade de vida de trabalhadores racialmente discriminados.
Ao explorarmos as raízes e manifestações desse problema, somos confrontados com
a necessidade premente de implementar políticas e práticas que promovam a
diversidade, a igualdade e um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo.
Recentemente, esse tema foi abordado em uma decisão da JT mineira. Acompanhe:
No período em que atuou na Vara do Trabalho de Patos de
Minas, o juiz Luiz Felipe de Moura Rios condenou uma empresa de vigilância
patrimonial ao pagamento de uma indenização por danos morais, no valor de R$ 3
mil, ao vigia vítima de discriminação racial no ambiente de trabalho. Na
análise do conjunto de provas produzidas na instrução processual, o magistrado
constatou que houve uma determinação para que o trabalhador cortasse o cabelo
estilo “black power” para que o penteado se adequasse ao padrão profissional
exigido pela empresa.
No caso, o vigia alegou ter sido desmerecido e perseguido
devido à sua aparência física, com chefes solicitando que cortasse o cabelo
para se adequar ao "cartão de visita" da empresa. Um áudio entre
colegas de trabalho foi apresentado como prova das narrativas discriminatórias
relacionadas à aparência do vigia e seu cabelo "black power".
A empresa contestou as alegações de assédio moral,
justificando que o áudio estava relacionado à exigência do uso completo do
uniforme, incluindo o boné. No entanto, as declarações do preposto da empresa e
da testemunha apontaram para uma falta de esclarecimento sobre padrões visuais
no momento da contratação do vigia.
No áudio examinado pelo juiz, o chefe afirmou que "o
que está incomodando os outros chefes é esse cabelo dele, esse black
power", complementando que "um vigia não pode se trajar dessa
forma" e que "o cara está desajeitadão, esse cabelão black power
dele, chega sacudindo cabelo para um lado e para outro, então assim, tá ruim,
tá difícil, ele tem que ajeitar isso aí". Por fim, o chefe reiterou que o
visual do vigia não era condizente com o "cartão de visita" da
empresa. A testemunha indicada pela empresa declarou ter ouvido o áudio no qual
o chefe solicitava ao trabalhador que cortasse o cabelo. Ela confirmou também
que presenciou a resposta negativa do vigia.
Movimento Black Power : Luta histórica contra o racismo
Conforme pontuou o magistrado, o depoimento prestado pelo
preposto confirmou que o vigia foi contratado em dezembro de 2022 com a mesma
aparência que possuía no mês seguinte, não tendo feito qualquer menção a
padrões visuais. Para o juiz, a empresa extrapolou o limite da relação
contratual ao interferir na liberdade e na imagem do trabalhador, incorrendo em
conduta ilícita. Ele entendeu que esse tipo de atitude é uma manifestação do
racismo estrutural velado. “O pedido de corte de cabelo, neste caso, tem em
verdade profunda relação com o racismo estrutural em que vivemos. Isso porque o
reclamante é pessoa negra, e o ‘padrão’ a que se refere a empresa se traduz, de
forma bastante velada, de fato, em um tipo de imagem relacionada a pessoas
brancas e cujo cabelo não tem a forma do cabelo do reclamante, como se essa
fosse a forma mais aceitável de apresentação na sociedade”, completou.
O juiz ressaltou que o cabelo black power é simbólico e
carrega um significado muito maior do que mero modismo ou simples aparência
física. Ele enfatizou que o "black power" utilizado pelo trabalhador
fez parte de um movimento cultural de valorização da identidade negra e de luta
contra a discriminação. “A adoção de penteados e estilo de cabelo como o
utilizado pelo reclamante tem também profunda conexão com movimento cultural de
valorização da pessoa negra, bem como de luta por coibição de práticas de cunho
discriminatório. O movimento ‘black power’, como ficou conhecido nos Estados
Unidos da década de 60, além de se relacionar à expressão de liberdade da
população negra com seu próprio corpo, é também uma manifestação cultural e
histórica, que tem por objetivo o respeito e a valorização estética de suas
origens”, ressaltou.
Decisão
Na conclusão do julgador, ficou notório o ato de
discriminação e deve ser repudiada a conduta da empresa de exigir, logo após a
contratação do trabalhador, um corte de cabelo somente para enquadrá-lo no
padrão visual racista. O magistrado frisou que essa exigência não tem relação
com a função desempenhada por ele e não tem justificativa plausível e razoável.
Além disso, a lei brasileira proíbe a discriminação racial no ambiente de
trabalho. Por essas razões, o juiz entendeu que a conduta ofensiva da empresa
gera o dever de indenizar. Entretanto, ele frisou que o ato da empresa foi
isolado e prontamente recusado pelo vigia.
Assim, levando-se em conta a extensão e consequência do
dano, a presunção de constrangimento, a gravidade da culpa da empresa, a
natureza compensatória e pedagógica da medida e o princípio do não
enriquecimento sem causa da pessoa prejudicada, o juiz fixou o valor da
indenização em R$ 3 mil.
Ao finalizar, o julgador trouxe reflexões sobre o tema. “Na
visão deste magistrado, a prática realizada pela reclamada é reflexo de um
problema crônico na sociedade, e que não se limita ao nosso país. Nada
obstante, não apenas é fundamental destacar o problema, como também coibir
‘toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião,
opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão’ (artigo 1º, a, da Convenção nº 111 da OIT), porque
demonstra conduta discriminatória”.
Em grau de recurso, os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG
mantiveram integralmente a sentença. Atualmente, o processo está em fase de
execução.
Fonte: TRT/MG
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