Ao longo de mais de um ano lidando com a COVID-19, a maioria de nós já teve contato com alguma Teoria da Conspiração. São aquelas estórias que circulam nas redes sociais, nos sites e blogs políticos e em alguns canais do YouTube cujo roteiro diz “denunciar’’ pessoas, países ou instituições que supostamente se beneficiariam com a pandemia. Entre os alvos mais famosos estão personalidades como Bill Gates, países a como China, a indústria farmacêutica e a mídia. Claro, não é a primeira vez que surgem narrativas como como estas. Existem Teorias da Conspiração desde tempos imemoriais, mas até poucos anos atrás elas eram repassadas de geração para geração em rodas de conversas familiares ou entre amigos. A novidade é que a internet ampliou muito o alcance do problema.

Sempre vão existir teorias da conspiração. O que preocupa é que com estas estórias circulando na internet, através de vários canais de comunicação diferentes (ex.: vários grupos no whatsapp, além do instagram, do facebook e do YouTube), o risco de mais pessoas acreditarem é maior. Vários estudos já demonstraram que alguém que tem contato com uma informação falsa repetidas vezes  mais provavelmente passará a acreditar que aquela é a verdade sobre os fatos [1]. E não é difícil compreender os motivos pelos quais isso acontece. 

Desde os primórdios da humanidade, nós ampliamos nosso conhecimento sobre o mundo através daquilo que ouvimos de outras pessoas[2]. Enquanto nossos cinco sentidos tem o alcance limitado ao que experimentamos de maneira direta, as coisas que as outras pessoas nos contam permitem que tenhamos acesso a informações que jamais alcançaríamos sozinhos. Através destas informações, construímos nossa opinião sobre coisas com as quais não temos experiência direta, como o que acontece longe de nós ou o que não conseguimos compreender sozinhos, como dados de uma pesquisa complexa, por exemplo. 

Em um mundo relativamente simples[3] como o da Savana Africana, o relato de um andarilho nos permitia saber da existência de água e alimento farto em terras distantes. Se ele estivesse mentindo, perderíamos nossa caminhada. Em um mundo complexo[3] como o nosso, o que vemos na televisão, no rádio e na internet nos permite saber sobre a situação econômica do país, sobre o avanço de doenças e o desenvolvimento do conhecimento científico, sobre movimentos políticos e muito mais. E, claro, todas estas informações podem afetar nossas emoções, nossas opiniões e nossas atitudes de maneira positiva ou negativa. Se são informações verdadeiras, ótimo, elas nos ajudam a lidar com o mundo de maneira mais efetiva. Mas quando são informações falsas, especialmente sobre questões de saúde, corremos o risco de ver comportamentos não saudáveis sendo estimulados. Isso pode não apenas prejudicar o combate a doenças graves como, também, favorecer para que estas doenças se espalhem ou reapareçam após terem sido vencidas.

O artigo The biggest pandemic risk: Viral misinformation, publicado na Revista Nature por Heidi J. Larson, professora de Antropologia, Risco e Ciências da Decisão na London School of Hygiene & Tropical Medicine, fala de alguns dos problemas gerados por teorias da conspiração Anti-Vacina na Europa. Citando alguns países como exemplo, a pesquisadora conta que a confiança da população na segurança das vacinas caiu de 82% em 2015 para 21% em 2018 nas Filipinas. Na Dinamarca, as taxas de imunização caíram de mais de 90% para menos de 20% em  apenas 5 anos. Dentre os problemas que isso pode causar, é possível destacar o ressurgimento de doenças que já haviam sido erradicadas e um maior nível de dificuldade para que as pessoas tenham adesão a campanhas de vacinação contra doenças novas, como a COVID-19.

Mas o que faz com que as pessoas acreditem em teorias conspiratórias, mesmo que pareçam completamente absurdas frente ao conhecimento científico?

Para responder à questão, acredito que podemos dividir os que acreditam em dois grupos: as pessoas que acreditam em teorias da conspiração da mesma forma que acreditariam em qualquer notícia falsa, apenas por terem lido ou ouvido em algum lugar, e as pessoas que abraçam estas teorias e passam a defende-las como se fossem verdades evidentes. 

Grupo 1: pessoas que acreditam da mesma forma que acreditariam em qualquer notícia falsa

No que diz respeito ao primeiro grupo, o estudo Predictors of attitudes and misperceptions about COVID-19 in Canada, the U.K., and the U.S.A, liderado por Gordon Gordon Pennycook, encontrou evidências de que o baixo nível de sofisticação e habilidade cognitiva (pensamento analítico e capacidade de utilizar conceitos matemáticos simples) estava associado a um maior risco de acreditar em percepções errôneas sobre a COVID-19, junto ao desconhecimento do básico sobre ciência (ex.: como doenças são transmitidas, como medicamentos funcionam) e baixo ceticismo. Estas características tiveram poder preditivo maior da crença em notícias falsas do que ideologia política (ser de esquerda ou direita), por exemplo. Os autores contam que muitos até tem estas habilidades, mas não as utilizam se não forem diretamente solicitados a fazê-lo através de perguntas. Estas pessoas são o que eles chamaram de "avarentos cognitivos". 

Grupo 2: defendem as teorias da conspiração

Steven Taylor, Professor de Psicologia e Psicólogo Clínico do departamento de psiquiatria da University of British Columbia dedica um capítulo inteiro de sua obra The Psychology of Pandemics: Preparing for the Next Global Outbreak of Infectious Disease a falar sobre o segundo grupo: as pessoas que acreditam e defendem as teorias da conspiração. Ele resume diversos estudos sobre o tema que, à partir de agora, darão o tom de nossa conversa. 

Teorias da Conspiração também são histórias falsas, assim como as demais Fake News, mas que possuem um conjunto específico de características que justifica serem tratadas de modo diferente. Elas surgem especificamente em períodos de incerteza sobre eventos importantes, especialmente se estes eventos forem ameaçadores, como um atentado terrorista, um golpe político ou uma pandemia. Geralmente se opõem às visões oficiais dos acontecimentos, oferecendo alternativas mais simplórias e compreensíveis sobre as causas do que está acontecendo, sobre quem se beneficia disso e sobre quais pessoas ou organizações deveriam ser responsabilizados. Como as teorias pregam que os conspiradores utilizam da manipulação e da mentira para encobrir suas ações, qualquer pessoa que tente desmentir uma delas é vista como parte da própria conspiração ou como alguém que já foi manipulado, o que as torna praticamente irrefutáveis.

De acordo com Taylor, a maioria das histórias do gênero costuma fazer apelos a figuras de autoridade, ainda que de maneira vaga, através de afirmações como “cientistas de Harvard descobriram que” ou “um crescente número de estudos indica que”, de modo a aumentar seu poder de convencimento. Elas comumente trazem, ainda, perguntas retóricas para desafiar crenças opostas, como “quem você acredita que se beneficia disso?”, além de frequentemente se iniciarem com afirmações sensacionalistas como “a farsa acabou” ou outras parecidas. 

Quem acredita em Teorias da Conspiração?

O pesquisador esclarece que, embora as pessoas que acreditam em uma teoria da conspiração provavelmente acreditarão em outras, nem todos são vulneráveis a elas. Existem algumas características pessoais que predispõe alguém a abraçar histórias do tipo, como a necessidade de compreender o ambiente, de se sentir seguro ou no controle da situação (ex.:”eu sei o que está acontecendo!"), necessidade de manter uma imagem positiva de si próprio diante do grupo (ex.:”sou esperto, não serei enganado!”), pensamento persecutório, pensamento mágico (tendência a estabelecer relações entre coisas que não tem relação), narcisismo (visão inflada de si) e necessidade de se sentir único (ex.:“possuo uma explicação especial sobre isso”), necessidade de validação externa (ex.: “sou mais esperto que ‘eles’’), ingenuidade e menor capacidade de analisar criticamente/ questionar as informações que recebe (não questiona), menor inteligência, nível educacional mais baixo e menor capacidade de pensamento analítico. Naturalmente não é necessário possuir todas estas características, mas quanto mais delas, maior a tendência em abraçar teorias da conspiração. A rejeição ao método e pensamento científicos, geralmente mais complexos do que as histórias conspiratórias, também está associada à tendência em acreditar em Teorias da Conspiração. 

Steven Taylor explica que, com raríssimas exceções, é quase impossível persuadir alguém a abandonar crenças conspiratórias. Porém, quando a pessoa é exposta a informações acuradas antes de ser exposta às ideias conspiratórias, pode ser que seja possível prevenir o problema: isso funcionaria como uma vacina-anti-teorias-da-conspiração. Outras estratégias que podem ser utilizadas envolvem estimular o pensamento analítico, entrevista motivacional e terapia (estas pessoas dificilmente procuram terapia e, quando procuram, o fazem por outros motivos); mas dificilmente estas ou outras intervenções funcionariam depois que a crença na teoria da conspiração estiver bem estabelecida. 

Partindo das intervenções sugeridas, talvez uma alternativa para ao menos minimizar os efeitos das teorias da conspiração seja divulgar informações confiáveis, bem fundamentadas, às pessoas que ainda não foram “contaminadas” pelas crenças conspiratórias. Você pode aprender um pouco sobre como fazer isso clicando neste link  e checando o item “Não caia em Fake News”. 

 

MATERIAL CONSULTADO E NOTAS 

[1] Bacon, F. T. (1979). Credibility of repeated statements: Memory for trivia. Journal of Experimental Psychology: Human Learning and Memory, 5(3), 241–252. https://doi.org/10.1037/0278-7393.5.3.241 
[2] Yuval Noah Harari (2011) Sapiens – Uma Breve História da Humanidade. 29ª Edição. Editora Harper.
[3] Uso os termos “simples” e “complexo” fazendo referência à quantidade de informações com que precisamos lidar diariamente. Enquanto sem os meios de comunicação nós lidávamos com apenas algumas informações sobre lugares distantes de nós, com os meios de comunicação e com as internet nós lidamos o tempo inteiro com informações sobre o que acontece em várias partes do mundo.