O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública (ACP) para impedir a realização do leilão para concessão à iniciativa privada de trecho da BR-365, situado entre os municípios de Uberlândia e Patrocínio (km 474,6 a 605,5), no Triângulo Mineiro. São réus na ação o Estado de Minas Gerais e a União, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Bolsa de Valores do Estado de São Paulo e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Alegando ilegalidades no Programa de Concessões do Sistema Rodoviário do Estado de Minas Gerais, a ação pretende que os atos de privatização desse trecho da BR-365, regulados pelo Edital de Concorrência Internacional nº 002/2021, sejam suspensos, até que a União, o Dnit e o Estado de Minas Gerais adotem as providências necessárias para, no prazo máximo de cinco anos, duplicar todo o trecho situado entre Uberlândia e Patrocínio, inclusive os segmentos urbanos da rodovia que atravessam essas duas cidades.

A ação também sustenta que a União Federal, ao transferir esse trecho da rodovia federal para o Estado de Minas Gerais, “está burlando decisão judicial proferida na Ação Civil Pública nº 0007161-11.2015.4.01.3803, que a condenou, com o DNIT, a incluir nas propostas orçamentárias de cada um, para o ano de 2022, os recursos orçamentários específicos necessários à duplicação da BR-365, entre os Municípios de Uberlândia e Patos de Minas.

Para o MPF, os réus estão agindo com claro desvio de finalidade, “uma vez que estão transferindo patrimônio público para a iniciativa privada, sem exigir que normas básicas de implantação de uma rodovia sejam, obrigatoriamente, observadas, tudo no afã de obterem o maior valor de outorga no leilão”.

“No caso, incluímos também no polo passivo o BNDES, porque, além de participar da estruturação dos lotes, financiará a execução do programa de concessão com aporte de valores vultosos, e a B3 S.A Brasil, Bolsa, Balcão, da Bolsa de Valores de São Paulo, a quem cabe a operacionalização do leilão para escolha da empresa vencedora”, explica o procurador da República Cléber Neves, autor da ação.

Desobediência e ilegalidades - Os problemas estruturais da BR-365 são objeto de discussão judicial desde o ano de 2015, quando o Ministério Público Federal ingressou com ação para obrigar a União e o Dnit a iniciarem obras de arquitetura e engenharia para duplicar a BR-365, entre Uberlândia e o entroncamento com a BR-040, passando pelas cidades de Patrocínio e Patos de Minas.

Após longo tempo de tramitação, inclusive com realização de perícia técnica, em maio de 2020, o Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia decidiu pela necessidade urgente de duplicação, em face do volumoso tráfego diário de veículos e grande número de acidentes com mortos e feridos no trecho. Essa sentença ainda não transitou em julgado, porque recurso oposto contra ela encontra-se pendente de julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

“Foi então que, em fevereiro deste ano, tomamos conhecimento, pela imprensa, de que a União e o Dnit haviam firmado parceria com o Estado de Minas Gerais, para alienação de trechos rodoviários federais ao Estado e, entre esses trechos, estava a parte da BR-365 sub judice. Ou seja, União, Dnit e Estado simplesmente ignoraram a autoridade do Poder Judiciário e, como demonstramos em outra ação ajuizada no início deste ano, violaram também a legislação federal que incide sobre essa rodovia”, afirma Cléber Neves.

Esta ação mencionada pelo procurador da República, ajuizada em 18 de fevereiro de 2022, demonstra que a BR-365 faz parte da Rede de Integração Nacional (Rinter), criada pela Lei nº 12.379/2001. Acontece que essa lei proíbe expressamente, no seu artigo 18, inciso II, que as rodovias que integram a Rinter sejam doadas ou alienadas pela União, tornando, portanto, ilegal a transferência da BR-365 para o Estado de Minas Gerais.

O próprio Dnit, por meio da Diretoria de Planejamento e Pesquisa, ao ser questionado a respeito da alienação, manifestou-se contrariamente, “tendo em vista que a solicitação é de apenas parte da rodovia e que, além disso, trata-se de um corredor com relevante participação no fluxo de transportes, razão pela qual já existe em andamento, no âmbito da autarquia federal, projeto de adequação de capacidade do trecho, uma vez que já foram realizados estudos indicando a necessidade imediata de duplicação”. Também o Ministério da Justiça posicionou-se contra a transferência da BR-365 para o Estado de Minas Gerais, com o argumento de que, com a “doação”, esse trecho deixará de ser federal, gerando grande impacto na atuação da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, e causando “efeitos deletérios na segurança pública, especialmente no tocante a enfrentamento aos crimes transfronteiriços. Isso porque haverá uma descontinuidade na rodovia federal, que é estratégica para a ligação entre as regiões centro-oeste e nordeste do país, uma importante rota para o combate ao crime do tráfico de drogas e congêneres”.

Em decisão liminar, o Juízo Federal suspendeu o leilão, que ocorreria no dia 18/03/2022, e determinou a retirada desse trecho da BR-365 de qualquer Programa de Concessão da União para o Estado de Minas Gerais.

“Infelizmente, porém, o TRF-1 concedeu efeito suspensivo em recurso interposto pelos réus, possibilitando que a União e o Estado retomassem o esdrúxulo programa de concessão”, lamenta o procurador da República. “Mas a questão é que, publicado novo edital, percebemos que permanecem as mesmas ilegalidades já apontadas em outras ocasiões, além de outras incongruências, por exemplo, a falta de previsão para duplicação total do trecho da BR-365 a ser concedido, bem como adequação dos acostamentos, das faixas de rolamento e da largura dos dispositivos de drenagem”.

“Circo” - Agendado para o próximo dia 8 de agosto, o leilão regido pelo Edital Concorrência Internacional nº 002/2021 estabelece prazo de concessão de 30 anos e valor estimado do contrato de R$ 3,6 bilhões. Também prevê cobrança de tarifa de R$ 0,13 centavos por km naquele trecho da BR-365 após os primeiros nove meses de concessão, com a construção de duas praças de pedágio, a primeira no km 521 (em Patrocínio) e a outra no km 600, próximo a Uberlândia.

A concessão prevê, ainda, a construção de 55,36 km de faixas adicionais e a duplicação de apenas 36,10 km em dois segmentos da BR-365 ao longo de todo trecho, que abrange mais de 150 quilômetros entre as cidades de Uberlândia e Patrocínio, com previsão de até oito anos para conclusões das obras.

“É importante destacar que existe uma sentença válida, que obrigou a União e o Dnit a duplicarem toda a BR-365 entre Uberlândia e Patos de Minas, e não apenas aqueles 36 km previstos no edital da concessão”, diz o procurador da República. “Essa decisão judicial foi calcada em perícia técnica realizada no local, mas também encontra suporte tanto em diagnóstico do próprio Dnit, quanto em outros estudos, como um relatório técnico produzido pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia, que, ainda em 2014, já apontava a necessidade de duplicação da via”.

Peritos do MPF também indicaram o ato nível de periculosidade e letalidade daquele trecho rodoviário, que, no período de dois anos (2017-2018), registrou um total de 410 acidentes, com 46 vítimas fatais, 363 feridos leves, 129 feridos graves e 78 acidentes com danos materiais. Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), feito em 2017 pelo DNIT, afirmou que o tráfego da rodovia é de alto risco nas condições em que se encontra, em função do relevo ondulado, que resulta em traçados sinuosos, com destaque para os riscos nas intercessões urbanas, locais com grande concentração de sinistros.

“Para agravar mais ainda essa triste realidade, o Edital de Concorrência Internacional, inexplicavelmente, não prevê a inclusão dos trechos urbanos de Uberlândia e Patrocínio na concessão, situação que se revela um verdadeiro despropósito, uma clara ofensa às disposições do art.37, caput, da Constituição da República, que trata de princípios sensíveis da Administração Pública”, registra a ação.

Para o MPF, “toda essa transação é um claro desvio de finalidade, porque revela que o propósito dos requeridos não é fazer investimentos na BR-365, mas sim incentivar o Plano de Concessões do Estado de Minas Gerais. Isso se entremostra tão evidente quando se constata que o Estado de Minas Gerais faz constar do Edital de Concorrência Internacional a concessão de uma rodovia estadual de terra, a saber a CMG-462, que liga o sul de Perdizes à BR-262”.

“O que se percebe, ao se analisar detidamente o edital e seus anexos, é que essa concessão é um verdadeiro circo, montado para que o Estado de Minas Gerais angarie investimentos em rodovias estaduais e não na própria BR-365. É por esse motivo que o Edital de Concorrência Internacional, o Contrato de Concessão e o PER sequer mencionam os investimentos mínimos necessários à melhoria da segurança, fluidez e conforto dos usuários da BR-365”, afirma Cléber Neves. “Por isso, recorremos mais uma vez ao Judiciário Federal, para que tal edital seja suspenso até que a União e o Dnit façam as intervenções mínimas e necessárias para adequar a rodovia a normas de segurança que foram estabelecidas pela própria autarquia federal, por meio do Manual de Implantação Básica de Rodovia”.

Outros pedidos - Caso o Juízo entenda pela não suspensão do edital, a ação pede que se obrigue então os réus a tomar providências para a inserção, no Edital de Concorrência Internacional, no Contrato de Concessão e no PER, da duplicação total e imediata do trecho da BR-365 situado entre os Municípios de Uberlândia e Patrocínio, bem como a inclusão dos trechos urbanos desses dois municípios e a adequação dos acostamentos e das larguras das faixas de rolamento e de drenagem.

Fonte: Ascom MPF