Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia, o historiador e professor Paulo Sérgio Moreira da Silva, especialista em escravidão e pós-abolição, tem desenvolvido pesquisas que recontam a história da Patos de Minas do Século XIX. O projeto, intitulado “Santo Antônio dos Patos, uma vila negra”, se baseia no estudo de documentos históricos da época para evidenciar a forte presença da população escravizada no processo de formação da cidade.
O trabalho está sendo desenvolvido desde 2016. Segundo o historiador, os estudos têm como objetivo demonstrar a presença de escravizados na região do Alto Paranaíba durante a formação da Vila de Santo Antônio dos Patos, a qual seria elevada à categoria de município em 1892, sob o nome de Patos de Minas
“As pesquisas buscam olhar para os escravizados que aqui chegaram no século XIX, as relações sociais, bem viver, a vadiagem, as manifestações culturais e as articulações em torno de um processo de resistência que se traduz em lutas políticas que geram consequências importantes”, explica o historiador. “São sujeitos históricos ativos e que sempre tiveram controle sobre as suas vidas, seu cotidiano e seus destinos”.
O trabalho de Moreira da Silva é um desdobramento de seu doutorado e está ancorado ao Centro de Pesquisa e Documentação em História-JUHIS. O professor teve acesso a vários documentos - entre cartas, livros cartoriais e registros oficiais - existentes no Fórum da Comarca de Patos de Minas, além de manuscritos do Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte. Segundo o pesquisador, esses documentos ajudam a demonstrar a participação da população negra na construção da sociedade patense, a qual é mais intensa do que se tem afirmado ao longo do tempo.
“O estudo tem como foco principal resgatar os sujeitos históricos que sempre foram negligenciados pelos estudos locais e regionais, bem como jogar luz sobre uma vasta documentação existente em nossa cidade que nunca foi utilizada de forma adequada como fonte de pesquisas”, afirma o professor.
Entre os documentos analisados, estão o Livro de Registros, em que eram catalogadas as cartas de liberdade daqueles que viviam sobre o regime da escravidão, e o Livro especial da antiga matrícula de todos os escravos do município. Também foram estudados mapas de recenseamento, inventários post-mortem e outros documentos manuscritos que constam no acervo do Arquivo Público Mineiro. Com os registros em mãos, o pesquisador transcreve o conteúdo, respeitando a grafia original, e, na sequência, realiza uma leitura crítica e histórica, a fim de buscar as informações contidas nos documentos.
Com seus estudos, o historiador já chegou a algumas descobertas sobre a escravidão naquele período. De acordo com a pesquisa, os escravizados vieram em grande número para o Alto Paranaíba após o declínio da mineração em Paracatu, para trabalharem nas fazendas da região. Desde então, cresceram em meio a comunidade e se tornaram parte integrante da Vila de Santo Antônio dos Patos. Segundo Moreira da Silva, essa informação muitas vezes não consta na “versão oficial” da história de Patos de Minas.
“Muitos só conhecem aquela narrativa sobre a doação do terreno, a construção da vila e a ‘vida feliz’ que veio depois disso. Com isso, a participação dos escravizados na formação da sociedade acaba ocultada”, afirma o especialista, que defende que a continuidade do trabalho de análise desses documentos pode revelar ainda mais partes do passado de Patos de Minas. “Estas reflexões levam a repensar a História de Patos, fugindo de narrativas superficiais que escondem os conflitos, as disputas, os interesses, as negociações, as trocas. Ou seja, vão colorir o que sempre teve uma única tonalidade”, finaliza.
Confira a íntegra de uma das cartas de liberdade estudadas pelo pesquisador (com a grafia da época):
Registro e fiel copia da carta de liberdade passada a João, crioulo, a qual foi-me apresentada por Belchior Antonio Xavier, cuja é do theor e forma seguinte:
Digo eu abaixo assignada Anna Roza de Jesus, que entre os mais bens que possuo, é bem assim uma parte em um Escravo de nome João de idade de vinte e oito anos pouco mais ou menos, cuja parte houve por herança de minha finada mai Francisca Roza de Jesus, como consta do inventario e partilhas, e a dita parte doei lhe para sua liberdade pelos bons Serviços que me tem prestado que nem eu nem meus herdeiros poderão chamar-lhe ao Captiveiro por ter sido muito de minha livre vontade, sem constragimento de pessôa alguma, e por não saber ler e nem escrever pedi a Felisberto Jozé de Fonseca que este por mim passasse e assignasse perante as testemunhas abaixo assignadas.
Onça dous de Setembro de mil oito centos e sesenta e nove.
A rogo de Anna Roza de Jesus
Felisberto Jozé de Fonseca.
Testemunha prezente Ezequiel Pereira de Andrade,
Jozé Pereira de Andrade e Manoel Rodrigues Pereira.
Que esta fez e assignou Felisberto Jozé de Fonseca. Numero trez = Reis duzentos.
Pagou duzentos reis do sello.
Patrocinio vinte e oito de Setembro de mil oito centos e sessenta e nove.
O Escrivão victorino GG. Passos = Mello.
Nada mais continha em a carta de liberdade acima transcripta, a qual bem e fielmente aqui copiei, e por conferir e achar em tudo conforme ao original, a assignei nesta Villa de Santo Antonio dos Patos, aos quatro dias do mez de Outubro de mil oito centos e sessenta e nove.
Eu Jozé Antonio Borges, primei-ro Tabellião do publico Judicial e notas que a escrevi, conferi e assigno. (a) Confer.da Jozé Antonio Borges.
Fonte: Livro notas nº 01- Cartório tabelionato de notas. [folha 17 frente a partir da 15a linha e 17 verso]. Ele livro tem abertura -Patos, 12 de agosto de 1868 [Geronimo Dias Maciel] até 09 de agosto de 1870
[[ comentario.apelido ]]
[[ comentario.data ]][[ comentario.texto ]]
Comentário removido pelos usuários
[[ resposta.apelido ]]
[[ resposta.data ]][[ resposta.texto ]]