A juíza Graça Maria Borges de Freitas, titular da 1ª Vara do Trabalho de Ouro Preto, identificou um caso de discriminação de gênero no local de trabalho, destacando a necessidade de proteção reforçada para o emprego feminino e a importância de um ambiente de trabalho respeitoso e igualitário. Ao analisar o conjunto de provas, a magistrada constatou que ficou provado o carregamento habitual de peso em situação não ergonômica e de comportamento desrespeitoso e machista em relação aos conflitos existentes no local de trabalho.

A testemunha ouvida no processo relatou que a motorista e ela carregavam caixas pesadas, muitas vezes sem a ajuda de outros colegas. As caixas, com peso aproximado de 20 a 22 kg, eram difíceis de manusear, especialmente devido à escada íngreme e estreita do local de trabalho.

A testemunha também relatou frequentes discussões entre os empregados, muitas vezes envolvendo problemas pessoais e de serviço. Em uma ocasião, a motorista teve um desentendimento com uma colega, que se recusava a fazer a parte dela no serviço, fazendo com que a trabalhadora ficasse sobrecarregada. Os empregadores presenciaram a discussão, mas não interferiram. Inclusive, um deles fez um comentário desrespeitoso e machista: “vocês precisam de macho!".

A julgadora ponderou que o papel do empregador é mediar e resolver as divergências sobre a responsabilidade pelas tarefas entre empregados do mesmo grau de hierarquia. Como salientou a magistrada, quando eles não conseguem resolver o conflito sozinhos, torna-se necessário que um terceiro resolva a questão, esclarecendo as tarefas de cada um e escutando as queixas legítimas de sobrecarga, a fim de que os processos de trabalho sejam aprimorados.

A magistrada destacou a necessidade de proteger o emprego feminino das condutas excludentes do machismo estrutural. “Na esfera trabalhista, a legislação garante a não discriminação e assegura a indenização por dano moral em caso de discriminação em razão do sexo ou etnia, conforme disposto no artigo 461, parágrafo 6º, da CLT”, completou.

A juíza frisou que a igualdade também é objeto de proteção em convenções fundamentais da OIT (Convenções 100 e 111 da OIT), em normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, na Lei 9.029/1995 e no Estatuto de Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). Esses instrumentos exigem do Estado uma postura ativa na superação das desigualdades de oportunidades, inclusive no trabalho.

Conforme ressaltou a julgadora, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa convenção, adotada em 1994 e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro em 1996, define violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na privada. A convenção proclama que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, o que inclui a proteção no âmbito laboral.

A Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também citada pela juíza, e ainda pendente de ratificação pelo Brasil, reconhece que a violência e o assédio baseados em gênero no mundo do trabalho afetam desproporcionalmente mulheres e meninas. A convenção define violência e assédio com base no gênero como violência e assédio dirigido às pessoas em virtude do seu sexo ou gênero, ou que são afetadas de forma desproporcional as pessoas de um determinado sexo ou gênero. O assédio sexual se enquadra nessa definição.

Ressaltou a juíza que o Brasil também observa o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta o Poder Judiciário a interpretar o direito de maneira a neutralizar as desigualdades.

Citando estatísticas, ela observou que, em termos econômicos, a violência e o assédio de gênero constituem um obstáculo à integração e à permanência das mulheres na força de trabalho, contribuindo para a disparidade salarial de gênero. “Uma em cada seis mulheres assediadas pede demissão, o que pode levar ao empobrecimento da vítima de violência sexual no trabalho”, completou.

Diante disso, a magistrada enfatizou que o protocolo de julgamento com base na perspectiva de gênero esclarece a possibilidade de readequação da distribuição do ônus  da prova, bem como a consideração do depoimento pessoal da vítima e da relevância da prova indiciária e indireta. Diante dos compromissos do Estado Brasileiro em relação à questão, ela entende que o Poder Judiciário deve atuar com rigor diante de situações em que a discriminação racial e de gênero sejam evidenciadas, a fim de que as leis vigentes no país não sejam letra morta.

Com relação ao caso julgado, no entender da juíza, os empregadores devem ser responsabilizados solidariamente. Segundo a sentença, a indenização fixada deve ser suficiente para conscientizar o agente e coibir a reiteração do ilícito e, ao mesmo tempo, minorar a dor da empregada, de modo a não gerar enriquecimento sem causa. Assim, o valor da indenização por danos morais foi fixado em R$ 5 mil, observado o limite do pedido e a gravidade da ofensa. De acordo com a sentença, o valor deverá ser atualizado a partir da data da publicação da sentença, até o efetivo pagamento. A magistrada também decretou a rescisão indireta do contrato de trabalho. Não houve recurso. O processo já está em fase de execução.

Fonte: TRT/MG