A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização
por danos morais no total de R$ 40 mil à família, além de uma pensão mensal aos
três filhos menores da ex-empregada doméstica que morreu por Covid-19 após
contaminação na casa dos patrões. Os magistrados da Décima Primeira Turma do
TRT-MG reconheceram, no caso, a ocorrência de doença ocupacional equiparada a
acidente de trabalho.
A ação foi ajuizada inicialmente pela própria trabalhadora,
mas os pedidos foram julgados improcedentes na decisão de 1º grau. Diante do
falecimento da autora após o ajuizamento da ação, o juízo de origem julgou
procedente a habilitação (artigo 691 do Código de Processo Civil), declarando
como partes legítimas da ação o viúvo e os três filhos menores, na qualidade de
autores. Depois disso, o processo prosseguiu em grau de recurso, interposto
pela família da trabalhadora falecida, chegando ao TRT-MG.
A trabalhadora foi admitida para exercer a função de
empregada doméstica em 13 de setembro de 2018. Desenvolvia as atividades das 8h
às 17h, de segunda a sábado. A família explicou que, no dia 20 de abril de
2021, a profissional recebeu uma mensagem via WhatsApp da esposa do empregador
dando ordens para limpar o quarto de hóspedes. “Ele estava com suspeitas de
Covid-19 e ela ficaria naquele quarto”, disse na mensagem.
Ocorre que, no dia seguinte, o casal fez o exame e testou
positivo. Apesar disso, a família informou que o empregador não afastou a
profissional das atividades e pediu que ela continuasse trabalhando
normalmente. “Por ser médico, receitou vários medicamentos, sob alegação de que
poderia evitar a infecção”, conforme receita anexada ao processo.
“Mesmo insegura e com muito medo, a empregada doméstica
continuou trabalhando, tendo contato direto e constante com o casal, correndo
grande risco de ser infectada”, argumentou a família da vítima no processo
trabalhista. Segundo os familiares, no dia 23 de abril, ela enviou mensagem
para a esposa do patrão, dizendo “que não trabalharia, no dia seguinte, pois
estava com muito medo e não estava bem, sentindo forte dor de cabeça”.
A família explicou que a empregadora não concordou com a
falta, exigindo um atestado médico. No dia 28 de abril, a trabalhadora realizou
então o teste, que deu positivo, conforme documento anexado ao processo. No dia
20 de maio, a ex-empregada faleceu, vítima de Covid-19.
No recurso ordinário, a família da vítima argumentou ainda
que o empregador é médico e empresário, dono de um dos maiores hospitais do
Norte de Minas. “Ele é considerado profissional atuante na linha de frente, ou
seja, apresenta exposição a risco habitual ao vírus, no qual mantinha contato
direto e constante com a falecida”.
Defesa
Em defesa, o patrão contestou a alegação dos familiares.
Disse que, por trabalharem em hospital, são criteriosos e conscientes quanto à
necessidade de adoção de procedimentos preventivos para evitar o contágio.
“Por essa razão, desde a identificação do estado de
calamidade pública de saúde, ocorrido no ano de 2020, orientaram os prestadores
de serviços e empregados a usarem máscara no âmbito da residência.
Disponibilizam, ainda, álcool líquido e em gel para higienização das mãos de
todos, indistintamente, que adentram a residência. E restringiram o contato com
amigos e parentes que costumavam frequentar a casa e também o convívio social”.
Decisão
Ao examinar o caso, o desembargador relator, Marcos Penido
de Oliveira, reconheceu que a contaminação pela Covid-19 ocorreu no ambiente de
trabalho, de modo que ficou provado o nexo de causalidade. “Veja-se que o próprio
réu admite em defesa que ele e a esposa são profissionais da área de saúde e
trabalham em área de saúde, o que denota elevado risco de contágio pelo vírus,
o que, de fato, se confirmou nos autos. Portanto, reputo configurado o nexo de
causalidade entre a doença e o trabalho desenvolvido em favor do réu, restando
caracterizada a doença ocupacional”.
Para o julgador, a presença do dano, consubstanciado no
óbito da trabalhadora, bem como a relação de causalidade entre o trabalho e
evento danoso, são irrefutáveis. “A legislação pátria adotou o entendimento de
que, quando a atividade exercida pelo empregado implica um grau de risco
acentuado, a reparação civil demanda aplicação da teoria da responsabilidade
objetiva, na esteira do que dispõe o art. 927, parágrafo único, do Código
Civil”, ressaltou o julgador.
No caso, o magistrado entendeu incabível a responsabilidade
objetiva, pois a trabalhadora não se sujeitava à atividade considerada de risco
pela própria natureza. “Em regra, a responsabilidade do empregador é subjetiva,
dependendo da culpa, salvo quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
empregador implicar, por natureza, riscos para os direitos de outrem”.
Para o julgador, não há nos autos prova de que os empregados
tenham sido realmente orientados acerca do distanciamento social. “Nesse
contexto, uma testemunha declarou que deixou de ter contato pessoal com os réus
após eles terem testado positivo para Covid-19”.
Segundo o magistrado, o comprovante de acesso da empregada à
residência demonstra a frequência integral nos dias que antecederam a
comunicação da suspeita da doença do empregador. “Desse modo, pode-se concluir
que a empregada manteve contato com os empregadores desde o início da doença,
estando amplamente exposta ao risco de contágio, sendo certo que o isolamento
dos infectados só ocorreu após o resultado positivo ter sido confirmado por
exame laboratorial”.
O desembargador compreendeu que, em observância às normas de
proteção e segurança do trabalho, cabe ao empregador a demonstração de que não
incorreu em culpa para a ocorrência do infortúnio e do consequente dano. “Desse
modo, a culpa do réu no processo é inescapável e reside precisamente na
negligência, artigo 186 do Código Civil, em propiciar ao empregado condições
adequadas e seguras de prestar seus serviços, devendo ser responsabilizado pelo
pagamento de indenização por danos morais decorrentes”.
Para o julgador, no caso dos autos, a extensão do dano é
inegável, haja vista que a doença ocupacional culminou na morte da
trabalhadora. “Isso causa dor e abalo psicológico à família, no caso, ao viúvo
e aos filhos”.
Danos morais
O magistrado arbitrou em R$ 40 mil o valor fixado a título
de indenização por danos morais, considerando a gravidade do dano, a
intensidade do sofrimento, a relevância do bem jurídico atingido, as situações
financeiras do ofensor e da vítima e o escopo pedagógico e inibitório da indenização.
O valor será dividido em parcelas iguais de R$ 10 mil para o viúvo e os três
filhos da vítima.
Danos materiais
O magistrado indeferiu a pensão mensal em favor do
companheiro viúvo, ante a ausência de prova de dependência econômica. Com
relação aos filhos menores, o julgador deferiu uma pensão mensal, diante da
dependência econômica presumida, fixada no valor do último salário da vítima
(um salário mínimo), devida a partir do óbito até o filho caçula completar 25
anos de idade. De acordo com a decisão, deverá ser acrescido o valor referente
ao 13º salário, ficando determinado o pagamento adicional de tal parcela no mês
de dezembro de cada ano.
Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do
recurso de revista.
Fonte: TRT/MG
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