O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, nesta
quarta-feira (13), a criação de mecanismos de taxação internacional que ajudem
a financiar o desenvolvimento sustentável. Lula participou, em Brasília, da
reunião conjunta das trilhas de Sherpas e de Finanças do G20, grupo que reúne
os países com as maiores economias do mundo.
O Brasil exerce a presidência do G20 de 1º de dezembro de 2023 a 30 de novembro de 2024. Este é o principal fórum de cooperação política e econômica internacional.
Uma das prioridades do mandato brasileiro é a defesa da
reforma das instituições de governança e de financiamento global, que reflita a
geopolítica do presente. Lula defende que a dívida externa dos países mais
pobres, em especial da África, seja equacionada.
“Os bancos multilaterais de desenvolvimento devem ser
maiores, melhores e mais eficazes, destinando mais recursos, e de forma mais
ágil, para iniciativas que realmente façam a diferença. A tributação também é
essencial para corrigir disparidades socioeconômicas entre países e dentro
deles. Sistemas tributários justos baseiam-se na progressividade e na
transparência. Incidem não apenas sobre a renda, mas também sobre a riqueza, e
coíbem a evasão fiscal dos super ricos”, disse, Lula, sugerindo a exploração de
mecanismos de taxação internacional.
Desde que assumiu o mandato, em discursos em diversas
instâncias internacionais, Lula tem defendido que o modelo atual de governança,
criado depois da Segunda Guerra Mundial, é anacrônico e não representa mais a
geopolítica do século 21. Para o presidente, é preciso uma representação
adequada de países emergentes em órgãos como o Conselho de Segurança das Nações
Unidas e em instituições de financiamento como o Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional (FMI).
Segundo Lula, a dívida dos países pobres constitui uma fonte
permanente de instabilidade política. Para ele, esses devedores também devem
“se sentar à mesa para resguardar suas prioridades nacionais”.
“Cerca de setenta países, muitos deles na África, estão
insolventes ou próximos da insolvência. Quase metade da população mundial, 3,3
bilhões de pessoas, vive em países que destinam mais recursos para o pagamento
do serviço da dívida do que para a educação ou a saúde”, disse.
“Queremos encorajar instituições financeiras internacionais
a cortarem sobretaxas, aumentarem o volume de recursos concessionais e criarem
fórmulas para reduzir riscos. Precisamos de um regime mais equitativo de
alocação de direitos especiais de saque. Hoje, os que mais precisam são os que
menos recebem, o que agrava as desigualdades entre os países”, acrescentou o presidente,
defendendo ainda o aprimoramento de mecanismos de financiamento climático.
“Os quatro maiores fundos ambientais possuem um saldo de
mais de US$ 10 bilhões, mas países em desenvolvimento não conseguem acessá-los
por empecilhos simplesmente burocráticos”, explicou.
Desenvolvimento sustentável
A segunda prioridade do Brasil na presidência do G20 é o
enfrentamento das mudanças climáticas, com foco na transição energética, e a
promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e
ambiental. Para Lula, as transformações que o mundo vive devem resultar em
bem-estar social, prosperidade econômica e sustentabilidade ambiental para
todos.
O presidente explicou que o G20 é responsável por três
quartos das emissões globais de gases do efeito estufa e que os membros de
renda alta do grupo emitem, anualmente, 12 toneladas de gás carbônico per
capita, enquanto os de renda média emitem metade desse volume. Nesse sentido,
para Lula, a descarbonização da economia global e a revolução digital são
processos essenciais, mas devem ser justos.
“O acesso a tecnologias é fundamental não só para uma
transição energética justa, mas também no campo digital. Queremos expandir
capacidades em áreas como Inteligência Artificial, inclusive em termos de
infraestrutura computacional. Serão necessárias diretrizes claras e
coletivamente acordadas para o uso dessa ferramenta. O mundo não pode repetir,
no tratamento da Inteligência Artificial, a divisão entre países responsáveis e
irresponsáveis que uma vez marcou as discussões sobre desarmamento e
não-proliferação”, disse Lula.
A presidência do Brasil no G20 terá uma iniciativa para a
bioeconomia e uma força tarefa contra a mudança do clima. Segundo Lula, o foco
da força tarefa será a promoção de planos nacionais de transformação ecológica,
que levem em conta o impacto do aquecimento global sobre os mais vulneráveis.
Já a bioeconomia, para ele, é uma “via promissora” para
muitos países em desenvolvimento. “É preciso definir princípios básicos sobre o
uso sustentável de recursos naturais para a geração de bens e serviços de alto
valor agregado”, defendeu.
Combate à fome
O terceiro e último eixo do mandato brasileiro é a inclusão
social e a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza. O Brasil também
criará uma força tarefa contra a fome, com a proposta de uma aliança global com
três pilares: um pilar de compromissos nacionais, para impulsionar políticas
públicas de efetividade já testada; um pilar financeiro, que mobilizará
recursos internos e externos para o financiamento dessas políticas; e um pilar
de apoio técnico, que difundirá boas práticas e incentivará a cooperação entre
países do sul global.
“Queremos erradicar uma das principais mazelas da
atualidade. É inadmissível que um mundo capaz de gerar riquezas da ordem US$
100 trilhões por ano conviva com a fome de mais de 735 milhões de pessoas e a
pobreza de mais de 8% da população”, argumentou Lula.
Durante seu discurso, o presidente afirmou que o mundo vem
sendo marcado “pelo recrudescimento dos conflitos, pela crescente fragmentação,
pela formação de blocos protecionistas e pela destruição ambiental”. Ele citou
o conflito entre Israel e Palestina e disse que o Brasil “segue de luto”.
“A violação cotidiana do direito humanitário é chocante e
resulta em milhares de civis inocentes, sobretudo mulheres e crianças. O Brasil
continuará trabalhando por um cessar-fogo permanente que permita a entrada da
ajuda humanitária em Gaza e pela libertação imediata de todos os reféns pelo
Hamas. É fundamental que a comunidade internacional trabalhe para a solução de
dois estados, vivendo lado a lado em segurança. Sem ação coletiva, essas
múltiplas crises podem multiplicar-se e aprofundar-se”, disse.
Para ele, as desigualdades estão na raiz desses problemas ou
contribuem para agravá-los. “Precisamos de uma nova globalização que combata as
disparidades”, defendeu.
Agenda de trabalho
A agenda do G20 será decidida e implementada pelo governo do
Brasil, com apoio direto da Índia, última ocupante da presidência, e da África
do Sul, país que exercerá o mandato em 2025. Esse sistema é conhecido como
troika e é um dos diferenciais do grupo em relação a outros organismos
internacionais.
É a primeira vez que o Brasil assume a presidência do G20
desde a sua criação, em 1999. O país esteve presente desde o início, quando as
20 maiores economias do mundo se reuniram com o objetivo de buscar uma solução
para a grave crise financeira que abalou todos os mercados e que levou à quebra
de um número enorme de bancos e outras companhias.
O grupo reunia, à época, apenas ministros de Finanças e
presidentes de bancos centrais. Em 2008, para enfrentar nova crise financeira
internacional, passou a ter o formato atual, com chefes de Estado e de Governo.
Hoje, o G20 reúne 19 das maiores economias do mundo e a União Europeia. A União
Africana também tornou-se membro permanente durante a 18ª Cúpula de Chefes de
Estado e Governo, em agosto, em Nova Déli, na Índia.
De dezembro deste ano a novembro de 2024, o Brasil deverá
organizar mais de 100 reuniões oficiais em várias cidades do país, que incluem
cerca de 20 reuniões ministeriais, 50 reuniões de alto nível e eventos
paralelos. O ponto alto será a 19ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo, nos
dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro.
Nesta semana, Brasília recebe as primeiras reuniões. Ontem
(12), terminou o encontro dos sherpas, que são os emissários pessoais dos
líderes do G20, que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam
a agenda da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho. Amanhã (14) e sexta
(15), inicia a reunião da Trilha de Finanças, que reúne vice-ministros das
Finanças e vice-presidentes de bancos centrais do G20.
O Brasil está propondo uma aproximação entre essas duas
instâncias, para que trabalhem de forma mais coordenada. Nesse sentido, hoje
ocorre o encontro das duas trilhas.
“Foram muitas as declarações, notas e relatórios adotados
nos últimos anos. Mas nem sempre as decisões saem do papel. A articulação entre
as trilhas política e financeira que compõem o G20 será essencial para o
funcionamento exitoso do grupo”, disse Lula na abertura do encontro.
A presidência brasileira no G20 vai criar ainda um canal de
diálogo entre os chefes de Estado e governo e a sociedade civil. Um grande
evento de participação popular será realizado previamente à reunião dos líderes
no Rio de Janeiro.
“Também será necessário escutar e acolher a visão da
sociedade civil: jovens, trabalhadores, empresários, povos indígenas,
parlamentares, cientistas, acadêmicos e representantes de outros grupos
vulneráveis. Queremos ouvir em especial as mulheres, e dar continuidade à
reflexão sobre seu empoderamento econômico, no âmbito do recém-criado grupo de
trabalho dedicado ao tema”, explicou o presidente.
O lema da presidência brasileira do G20 é “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”.
Fonte: Agência Brasil
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