A nova edição do Atlas da Violência, publicação anual do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que a taxa de
homicídios para mulheres negras cresceu no país 0,5% entre 2020 e 2021. No mesmo
período, houve redução de 2,8% para as mulheres não negras, que incluem
brancas, amarelas e indígenas.
Em 2021, 2.601 mulheres negras foram vítimas de homicídio no
Brasil. Esse número representa 67,4% do total de mulheres assassinadas. Também
corresponde a uma taxa de 4,3 vítimas para cada população de 100 mil. Trata-se
de um índice 79% superior ao das mulheres não negras.
"Historicamente, pessoas negras são as maiores vítimas
de violência no Brasil, aspecto que, infelizmente, se discute ano após ano nas
edições do Atlas da Violência. Quando falamos de violência contra as mulheres,
os dados não diferem: a violência letal é mais prevalente entre mulheres negras
do que não negras", conclui a publicação.
São indicadas algumas razões para esse cenário, entre eles,
fatores econômicos. A discriminação racial e de gênero no mercado de trabalho e
o consequente menor rendimento das mulheres negras na comparação com as
mulheres não negras as tornam mais dependentes do cônjuge e mais passíveis de
sofrerem violência de gênero.
O Atlas da Violência se baseia principalmente em dados do
Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), ambos sob gestão do Ministério da Saúde. Também
são levados em conta os mapeamentos demográficos divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dados do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. A série histórica de homicídios foi atualizada incluindo informações
de 2021.
Mulheres assassinadas
Conforme a publicação, entre 2020 e 2021, 14 unidades da
federação apresentaram crescimento na taxa de mulheres assassinadas. Os menores
índices são de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Distrito Federal.
Ao mesmo tempo, Roraima está no topo dos estados com maiores
taxas de homicídios de mulheres no ano de 2021: 7,4 mulheres mortas a cada 100
mil. Ele é seguido por Ceará e Acre. "Chama atenção que Roraima, mesmo
apresentando uma redução de quase 41%, permanece como o estado com maior taxa
de homicídios femininos no país", informa o Ipea.
São listadas três causas para o aumento da violência de
gênero contra as mulheres nos últimos anos. O primeiro é a redução
significativa do orçamento público federal para as políticas de enfrentamento
ao problema. Segundo o Atlas, a proposta orçamentária do governo anterior,
liderado por Jair Bolsonaro, reduziu em 94% os recursos previstos. Outro fator
seria o radicalismo político, que teria reforçado valores do patriarcado.
Por último, a pandemia de covid-19 teria produzido cinco
efeitos: restrição do funcionamento dos serviços protetivos, menor controle
social devido ao isolamento, aumento dos conflitos associado a uma maior
convivência, alta dos divórcios e perda econômica relativa das mulheres na
família.
Violência de gênero
Dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
2022 - reunidos no Atlas da Violência - trazem informações que reforçam o
panorama de aumento da violência de gênero.
"Quando a respondente foi perguntada se sofreu batida,
empurrão ou chute nos últimos 12 meses, 11,6% das mulheres responderam
positivamente, ante um índice de 6,3% na pesquisa de 2021", informa a
publicação.
Segundo o Atlas da Violência, os números representam apenas
a ponta do iceberg. "Nunca houve interesse dos governos em produzir, no
plano nacional, uma pesquisa domiciliar com metodologia robusta, com amostragem
aleatória e os necessários requisitos metodológicos para que as entrevistadas
pudessem reportar verdadeiramente os fatos sobre esse tema tão delicado",
revela a publicação.
Além disso, é lembrado que o crime de feminicídio foi
tipificado em 2015, o que ainda é muito recente. Dessa forma, os órgãos de
segurança ainda estão em um processo de aprendizado na correta classificação. O
crime de feminicídio é caracterizado como o assassinato que envolve violência
doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Sendo
assim, nem todo homicídio que tem uma mulher como vítima se enquadra como
feminicídio.
A maior parte das mulheres assassinadas no Brasil é morta
fora de suas casas. Mas chama atenção nos dados que, enquanto o homicídio de
mulheres caiu a partir de 2018 acompanhando a tendência de homicídios em geral,
o assassinato de mulheres dentro das residências mantém estabilidade. No
recorte por idade, no entanto, notam-se mudanças.
"É interessante observar que, ao longo do tempo, há
proporcionalmente menos homicídios de mulheres dentro das residências para as
faixas etárias abaixo de 24 anos; ao mesmo tempo, observa-se relativa
estabilidade nessa proporção para jovens adultas entre 25 a 29 anos, e aumento
proporcional na letalidade de mulheres acima de 30 anos de idade", informa
a publicação.
Esse movimento é explicado por dois fatores: a redução das
populações de jovens em decorrência do envelhecimento populacional e uma maior
propensão das gerações mais novas em refutar valores do patriarcado.
População negra
Mesmo quando os dados envolvem a população negra, incluindo
homens e mulheres, o cenário é similar. Em 2021, 79% de todas as vítimas de
homicídio eram negros. A publicação aponta que condições socioeconômicas fazem
desta população um grupo mais vulnerável, mas indica que é preciso considerar
também um outro fator.
"Duas pessoas com as mesmas características
(escolaridade, sexo, idade, estado civil), que moram no mesmo bairro, sendo uma
negra e uma branca, a primeira tem 23% a mais de chances de ser assassinada em
relação à segunda. Ou seja, além dos canais indiretos, por meio dos quais o
racismo estrutural opera para legar uma maior taxa de letalidade para a
população negra, há o racismo que mata, operando diretamente na letalidade
contra negros, por meio de um processo atávico de desumanização, que imprime
uma imagem estereotipada do negro como perigoso, como pobre e bandido",
observa a publicação.
Fonte: Agência Brasil
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