STF discute limites em "caso Coaf" sob sombra de Flávio Bolsonaro

Em julho, o presidente do STF e relator do caso, Dias Toffoli, suspendeu liminarmente uma investigação contra Flávio Bolsonaro.

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar na quarta-feira se impõe limites a atuação de órgãos de controle, como o extinto Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), no repasse de informações sem autorização do Poder Judiciário sob a sombra do caso que envolve o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

O caso diz respeito se o ex-Coaf, a Receita Federal e o Banco Central podem repassar dados como movimentação financeira de pessoas ao Ministério Público ou à Polícia Federal, por exemplo, sem que a Justiça conceda uma autorização específica desse pedido.

Esse julgamento é o último de destaque na pauta do STF deste fim de ano e também tem como pano de fundo críticas feitas a atuação desses órgãos de controle por ministros da corte e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro —já chegou a falar em “devassa fiscal” feita pela Receita contra familiares.

Após o Supremo ter derrubado a prisão de condenados em segunda instância, decisão criticada pela operação Lava Jato, o chamado “caso Coaf” pode repercutir internacionalmente na avaliação do Brasil em termos de atuação na prevenção e combate à corrupção.

REGRAS GERAIS

Em julho, o presidente do STF e relator do caso, Dias Toffoli, suspendeu liminarmente uma investigação contra Flávio Bolsonaro e outros em que houve compartilhamento individualizado de dados do Coaf sem aval do Judiciário. Agora o Supremo vai analisar se fixa regras gerais para esse tipo de repasse de informações em qualquer tipo de caso.

O impacto da liminar de Toffoli foi grande em investigações. Em nota pública divulgada nesta segunda, câmaras do Ministério Público Federal das áreas  criminal, de combate à corrupção e do Meio Ambiente revelaram que ela resultou na paralisação de ao menos 935 inquéritos em todo o país. Não se tem uma conta na esfera estadual.

O ministro Marco Aurélio Mello, que já falou em promiscuidade no acesso a esses dados, deverá se posicionar a favor de limitação de acesso. Mas ele preferiu não fazer um prognóstico. “Vamos aguardar o julgamento”, disse ele à Reuters.

Segundo uma fonte, a expectativa é que haja uma proposta de modulação do acesso a esse tipo de informação. Não está claro, contudo, qual linha de corte será adotada por ministros e se há maioria para isso.

O caso concreto que tramita sob sigilo e vai a julgamento é um recurso do MPF de 2017 contra uma decisão da Justiça anterior que anulou uma ação penal contra donos de postos de combustíveis que questionam o fato de a Receita ter repassado a procuradores, sem autorização judicial, dados bancários.

Em entrevista à Reuters concedida em setembro, Toffoli afirmou que o Coaf estava usurpando as suas competências ao repassar diretamente a órgãos de investigação o levantamento da movimentação financeira de “alvos específicos” sem autorização do Poder Judiciário e garantiu que o STF iria buscar uma solução para impedir o Estado de perseguir indivíduos.

O presidente do STF justificou à época que a decisão sobre Flávio Bolsonaro foi em defesa da “cidadania” e da “sociedade”, quando perguntado se ela tinha por objetivo salvá-lo.

“Esses órgãos passaram a pedir diretamente ao Coaf para que ele levantasse a movimentação financeira de alvos específicos, na verdade, subvertendo aquilo que eles deveriam pedir ao Judiciário. O Coaf passou a agir em substituição ao Poder Judiciário, uma usurpação de competência. Então, o que é que foi feito: foi feito a suspensão desses casos, dessas irregularidades”, disse.

Também à Reuters em outubro, o ministro Gilmar Mendes —outro crítico da atuação desses órgãos de controle— afirmou não ter “a menor dúvida” de que houve vazamento de informações dessas instituições para constranger a ele e a sua família —em fevereiro noticiou-se que uma análise fiscal da Receita apontariam supostas práticas de crimes atribuídas a ele e Toffoli, além de parentes de cada um.

Procuradores da Lava Jato de Curitiba já negaram essas acusações em nota pública. Procurada pela reportagem para comentar o assunto e outros pontos referentes ao combate à corrupção, a força-tarefa não se manifestou de imediato.

Em memorial entregue ao Supremo nesta terça-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que uma das consequências de uma decisão desfavorável do STF será descumprimento das recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF).

Entre os reflexos, estão a inclusão do Brasil em listas de países com deficiências estratégicas, a aplicação de contramedidas impostas pelo sistema financeiro dos demais países, podendo chegar à sua exclusão do Gafi, do G20, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

“Esse tipo de sanção pode ter relevância na aferição dos riscos para investimentos no Brasil e para a checagem da credibilidade de seu mercado. Assim, para além de danos político-diplomáticos, as consequências de impacto imediato são relacionadas a restrições econômico-financeiras ao país”, advertiu Aras.

RISCO DE OVERDOSE

O pesquisador da Fundação Getulio Vargas Fabiano Angélico, que tem experiência nacional e internacional em temas ligados à transparência governamental, disse que seria “muito ruim” se o Supremo decidir impor restrições “draconianas” no sistema de compartilhamento de informações, que deve agir de forma célere e sem obstáculos porque o crime para esse tipos de delito age de forma rápida.

“É claro que é preciso que os órgãos públicos tenham cuidado com essas informações”, disse, ao fazer a seguinte comparação. “É preciso ter algum remédio. Pelo que se noticiou na imprensa houve sim algum abuso da Lava Jato, mas se a dose é elevada, dá overdose e mata o paciente”, completou.

Para o especialista, há pessoas politicamente expostas —como familiares de autoridades— cujos órgãos de controle tem a obrigação legal de um olhar mais apurado para elas. “Isso não quer dizer que se esteja imputando crime. Ninguém está acima da lei”, frisou.

Fabiano Angélico disse que o Supremo precisa ao máximo passar a impressão de impessoalidade em suas decisões. Para ele, o saldo este ano mostraria um “desmonte” no sistema de prevenção e de combate à corrupção no país, não só por decisões do Supremo, mas também Legislativo e pelo Executivo.

O pesquisador afirmou que isso deve ter consequências para o Brasil no pleito de ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e também em relação à participação do país no Gafi/FATF, que também avalia a situação.

NOVA TENSÃO

O próprio Toffoli ajudou a elevar a tensão em torno do tema ao pedir o envio à corte de relatórios elaborados pelo antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira do Banco Central.

Depois disso, o presidente do Supremo negou duas vezes pedido da Procuradoria-Geral da República para revogar essa decisão.

O procurador-geral da República tinha sustentado “demasiadamente interventiva” uma determinação de Toffoli para que o BC enviasse à corte todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) e das Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) realizados nos últimos três anos e que poderia colocar em risco informações privadas de mais de 600 mil pessoas.

O presidente do Supremo rechaçou a alegação de que o STF seria invasivo no caso, ao argumentar que o processo corre sob segredo de Justiça. E na resposta ainda fez uma série de pedidos a órgãos que tiveram acesso a esses tipos de relatórios, como MPF e UIF.

Contudo, houve um reviravolta após uma reunião na segunda-feira com a presença de Toffoli, Aras, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o advogado-geral da União, André Nascimento. O presidente do STF revogou sua decisão que lhe dava acesso a todos esses relatórios.

Últimas Notícias

Batida frontal na BR 251 mata 4 pessoas na divisa de Minas Gerais com Goiás

Veja mais

Foragido da justiça é preso com crack e maconha após denúncia em Patos de Minas

Veja mais

Cerca de 20 hectares da Mata do Cachorro foram afetados pelas queimadas nos últimos dias

Veja mais

Você sabe quando sua fatura da Cemig é feita pela média? Saiba por que e como isso acontece

Veja mais

Uma semana após ser aberta para visitação represa de Presidente Olegário aparece vazia

Veja mais

Imagens mostram suspeitos de furtar cofres com joias e dinheiro; se você conhece denuncie

Veja mais