A insistência do presidente Jair Bolsonaro em manter nos seus 100 primeiros dias de governo a retórica adotada antes e durante a campanha eleitoral não tem funcionado e seu governo se beneficiaria da adoção de uma abordagem mais pragmática, disseram analistas ouvidos pela Reuters.

Ao contrário de outros presidentes em primeiro mandato, Bolsonaro não contou com uma “lua de mel” nos primeiros 100 dias de governo e isso se deveu em grande parte a turbulências geradas dentro do próprio governo.

Além disso, o discurso de ruptura com o que o presidente gosta de chamar de “velha política” gerou atritos com o Congresso Nacional, o que não é recomendável para um governo que afirma ter entre suas principais prioridades medidas que dependem do aval de três quintos de deputados e senadores, como a reforma da Previdência.

“O governo assumiu com uma atitude quase que beligerante, de ‘eu vou fazer tudo diferente’, mas não fez. Não mostrou o que era o diferente, não conseguiu trazer, não conseguiu dialogar e basicamente virou uma fábrica de pequenas crises semanais, se não quase que diárias”, disse à Reuters Danilo Gennari, sócio da Distrito Relações Governamentais.

Entre as crises vividas pelo governo em apenas 100 dias dos quatro anos de mandato estão a substituição de dois ministros —Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Ricardo Vélez (Educação)— e polêmicas envolvendo declarações de ministros, principalmente os que são apontados como da ala ideológica do governo.

Soma-se a isso a pouca experiência governamental do presidente e o grande número de novatos entre os parlamentares de seu partido, o PSL, um nanico até a eleição de 2018 e que, na esteira de Bolsonaro, elegeu a segunda maior bancada de deputados no ano passado.

“Essa falta de experiência, de nunca ter sido governo, fez com que se chamasse tudo de velha política e colocasse tudo num envelope chamado de imoral. Isso estabeleceu uma relação de desconfiança entre o Congresso e o governo e entre o governo e o Congresso”, disse à Reuters o cientista político e professor do Insper Carlos Melo.

“Isso gerou um estranhamento muito grande, e aquilo que poderia ter avançado em termos de agenda, avançou pouco. Nós estamos em meados de abril e o parecer da reforma da Previdência está na Comissão de Constituição e Justiça. O governo ainda não tem uma base que possa quantificar.”

A postura pessoal de Bolsonaro e a escolha por figuras de perfil ideológico para postos-chave da administração —como os ministérios das Relações Exteriores, Educação e Meio Ambiente— também são lembrados.

“Há um ideologismo de sinal trocado”, avaliou Melo. “O essencial tem sido substituído pelo acessório.”

Analistas afirmam que é difícil prever se Bolsonaro mudará de curso. Ao mesmo tempo que o presidente passou a se reunir pessoalmente desde a semana passada com lideranças e presidentes de partidos em busca de melhorar a articulação política, a escolha de Bolsonaro para substituir Vélez no Ministério da Educação —o até então número dois da Casa Civil, Abraham Weintraub— indica que o presidente dobrou a aposta em sua estratégia atual.

“Essa mudança no Ministério da Educação agora poderia ser uma sinalização de mudança, mas na prática não foi. Foi uma reafirmação de que ele é daquele jeito, vai continuar sendo assim e a política dele é aquela”, disse Gennari.

Weintraub já afirmou ser necessário combater o “marxismo cultural” nas universidades e disse em uma palestra que comunistas estão no topo de organizações financeiras, são donos de jornais, de grandes empresas e de monopólios.

ERRO DE AVALIAÇÃO

A insistência de Bolsonaro se baseia em um erro de avaliação, segundo os analistas: a de que o presidente foi eleito somente pelo grupo que o apoia nas redes sociais.

E esse equívoco, disseram, já começa a aparecer em pesquisas de opinião que apontam Bolsonaro como o presidente cujo governo tem a mais baixa aprovação perto dos 100 primeiros dias de um primeiro mandato.

“Não foi só esse grupo que o elegeu”, disse Gennari. “A popularidade dele está caindo exatamente porque o grupo do meio —que o apoiou não porque era fã do Bolsonaro das redes sociais, explosivo, falastrão, etc, mas porque via nele uma possibilidade, principalmente com o Paulo Guedes, de levar adiante reformas e fazer a economia crescer— está vendo que o presidente tem dificuldades de abandonar o discurso eleitoral.”

Na avaliação dos analistas, a estratégia atual pode deixar Bolsonaro refém do Congresso Nacional, dificultando a aprovação de reformas importantes, como a da Previdência, apontada como crucial para equilibrar as contas públicas e retomar o crescimento da economia.

“O governo precisa acelerar a sua curva de aprendizado e precisa corrigir posturas”, disse Melo, do Insper.

“Ou ele começa a negociar com pragmatismo, ou ele vai ficar muito só nesse processo todo, não vai conseguir aprovar projetos importantes, a economia piora, e a economia piorando, piora a política, que piora a economia mais um pouco e você cria um ciclo vicioso, que nós já vivemos no passado.”

Fonte: Agência Reuters